domingo, 4 de março de 2012



O conceito que torna o professor leigo, aquele que carece de formação profissional, uma pessoa autorizada para ensinar pelo “dom” que possui; e o que dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em troca da experiência e capacitação profissional são reducionistas e um perigo para a educação cristã dominical
Porém, o ideal é que o professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica, e que o educador profissional desempenhe o munus docendi no magistério eclesiástico sem dispensar a capacitação teológica e pneumatológica.
A vocação e a capacitação técnica são necessárias e indispensáveis para o completo desempenho da docência cristã dominical.
Outro grave problema em torno da hipervalorização da “vocação” ou do “dom” para o ensino em detrimento à formação técnica é a completa ausência de comprometimento da liderança: (1) na formação e capacitação de professores; (2) em preparar as condições materiais para o exercício do magistério cristão; e (3) no acompanhamento sobre o que se ensina, como se ensina e por que se ensina. Certa vez, percebi que havia muitas conversões em nossa igreja local, entretanto, esses novos convertidos não recebiam qualquer instrução a respeito de sua nova vida em Cristo.
Solicitei, então, ao pastor para que fizéssemos uma classe de discipulado, antes mesmo de a CPAD organizar as lições para o discipulado (projeto que tive a honra de participar escrevendo duas lições: “O céu verdadeiramente existe?”, e, “O inferno verdadeiramente existe?”).
Contudo, o estimado líder disse-me: – Irmão Esdras, não há espaço na igreja para organizar mais uma classe, mas como o irmão é “vocacionado”, dará um jeito. E de fato, a solução surgiu, mas com algumas contestações. Havia nas dependências da igreja uma sala com instrumentos velhos e aparelhos eletrônicos defeituosos. Solicitei o espaço, mas o pedido foi rejeitado.
Depois de muito insistir, o espaço foi liberado, mas com uma condição: às 7hr30m eu e minha esposa deveríamos tirar os objetos do lugar, transformar o espaço numa sala de aula e, depois de concluído a aula, recolocar as tralhas no lugar.
Isto fizemos durante seis meses ininterruptos, até que fui chamado para trabalhar na sede. Eu era diácono na ocasião. Bom, essa história não é diferente daquelas que ouço toda vez que viajo pelas igrejas do Brasil dando cursos e palestras para professores da ED.
Talvez você tenha se identificado com ela.Mas o que de fato aprendemos com essa experiência? Aprendemos que, com a argumentação de que os vocacionados já estão preparados por Deus para a tarefa, certos líderes jogam toda responsabilidade e fardo “nas costas” do professor, crendo que o fato de serem “chamados” é suficiente para o completo desempenho do ministério de ensino. Todavia, é responsabilidade da liderança, seja da igreja, seja do superintendente da ED, dispor aos professores os aparatos e recursos necessários para o pleno desenvolvimento de suas tarefas educacionais.
Como o educador pode se preocupar em atender adequadamente o alunato se está preocupado com o local, com o giz, com o quadro, enfim, com os recursos didáticos? Muitos professores paladinos, no entanto, tiram de seu próprio provento para prover as urgências e demandas da Escola Dominical.
Outrossim, perpassa também pelo conceito de “professor vocacionado” a ideia de que ele não necessita de uma formação técnica, pois o “dom espiritual” é suficiente para o exercício docente. Mais uma vez o problema hermenêutico serve de esteio para fundamentar essa distorção.
Citam-se os textos de Sl 81.10: “abre bem a tua boca, e ta encherei”;Jo 14.26: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”; ou ainda 1Jo 3.27, entre outras passagens. Todavia, se esquecem de que o dom de ensino é encarnacional.
O pastor e professor de Teologia da Assembleia de Deus em Cingapura, David Lim, afirma que entre as várias teorias concernentes à natureza dos carismas, três se destacam:
(1) a que afirma que os dons são capacidades naturais; a que
(2) os descrevem como totalmente sobrenaturais, e a
(3)  bíblica, chamada encarnacional [1].
Uma entende que os dons espirituais são capacidades ou talentos naturais santificados.
Outra erradica qualquer responsabilidade humana nos exercícios dos carismas. A última, entretanto, pressupõe uma ação cooperativa tanto do Espírito quanto do homem.

De acordo com David Lim
Os dons são encarnacionais. Isto é, Deus opera através dos seres humanos. Os crentes submetem a Deus sua mente, coração, alma e forças. Consciente e deliberadamente, entregam tudo a Ele. O Espírito, então, os capacita de modo sobrenatural a ministrar acima de suas próprias capacidades humanas e, ao mesmo tempo, expressar cada dom através de sua experiência de vida, caráter, personalidade e vocabulário. [2] 
De modo geral, Lim quer dizer que todo dom pode e deve ser exercido na igreja, levando-se em consideração as idiossincrasias individuais dos crentes e, pelo fato de ser encarnacional, com amor, todo e qualquer dom deve ser avaliado pela comunidade cristã.
Admitindo-se o posicionamento teológico de que os dons são encarnacionais, podemos compreender o que Paulo afirmou em Romanos 12.7 a respeito do carisma do ensino: εἲτε ὁ διδάσκων ἑν τή διδασκαλία (lit. “o que ensina, no ensino”).
A maioria dos tradutores entende que se trata de uma forma intensificada e subentendida de se referir à diligência no exercício do carisma de ensino, acrescentando os termos “dedicação” (ARC,TB); e “esmero” (ARA). Traduções mais literais preferem manter “ensino, ensinando” (BJ); “ensinar, que ensine” (ECP); “ensinamento, para ensinar” (BP); “ensinar, ensine” (NVI).[3]

Russel Champlin, ao interpretar essa perícope, afirma

Aquele cujo ofício consiste em ensinar, deveria esforçar-se por aprimorar os seus conhecimentos, por melhorar a eficácia dos seus métodos de ensino, aumentando o seu interesse pessoal por aqueles que são os seus alunos. Um dos mais graves escândalos das modernas igrejas evangélicas é que a grande maioria dos seus mestres em nada melhora com a passagem dos anos, incluindo nisso tanto o conhecimento como os métodos empregados [...].[4]
Conforme Lim e Champlin, o dom de ensino não é apenas uma capacidade sobrenatural que o Espírito Santo concede ao cristão para o desempenho do magistério eclesiástico, mas também um carisma que deve ser exercido por meio do aprendizado pedagógico constante, da aquisição de técnicas didáticas, e de seu emprego eficiente por parte do professor. É um dom espiritual, no entanto, seu pleno exercício depende da cooperação, esforço e diligência do crente.
O cristão coopera com o Espírito Santo para que o dom, espiritual e potencializado pelo Espírito, desenvolva-se eficientemente e sem nenhum embaraço ou impedimento. O professor é o canal inteligente e discernente pelo qual o Espírito de Cristo ministra aos crentes o conhecimento dos mistérios do Evangelho.
Pelo fato de o dom de ensino ser encarnacional, a igreja deve insistir e investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores, a maioria carente de formação adequada. Chama-se a esse processo de educação ou formação continuada.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Não haverá uma nova safra de crentes se não houver uma nova classe de professores da Escola Dominical! Não se pode imaginar um futuro para a igreja sem educadores. Muitos acreditam que o professor da Escola Dominical é dispensável. E de fato o é, mas de qual docente estamos falando?
Certos professores são dispensáveis, assim como certos pregadores também o são. É claro que assim como não posso generalizar o último também não devo fazê-lo em relação ao primeiro. A falácia de que os professores dominicais são desnecessários à igreja é uma tentativa malsã de, parafraseando Paulo Freire, “retirar a boniteza do sonho de ser professor de tantos jovens cristãos nesse Brasil”.
Em um país que ideologicamente aprendeu a escamotear e a desvalorizar o professor, não ignoro que muitos líderes cristãos também desprezem esse importante e insubstituível ofício na igreja. Nalgumas vezes, eles parecem ter razão. Alguns docentes há muito deveriam ter pendurado a batuta:

- Ainda continuam lendo integralmente a revista da Escola Dominical;
- Não usam qualquer tipo de método;
- São incapazes de comentar com profundidade teológica o tema da lição;
- Reclamam que o assunto é repetido;
- Além de se colocarem nos holofotes de seus cargos eclesiásticos.

Sim, esse é o perfil do professor desnecessário, substituível, que não quero para a igreja deste novo milênio. Tal ensinante é inútil à renovação da igreja.
Ele é:

- Monocultural, como afirma Luiza Cortesão [1], incapaz de abrir-se ao novo, à renovação;
- Taciturno, perdeu a alegria de ensinar e, por pouco, não perde a satisfação de viver.
- Dogmático, protege os erros teológicos do sistema para preservar sua própria posição na denominação.
- Iludido, pensa estar cumprindo os propósitos do Reino de Deus. Na verdade, ele se colocou na porta da EBD e não permite que ninguém mais a atravesse.
- Resistente, não admite qualquer mudança de paradigma na educação cristã, embora ele mesmo não saiba explicar suas práticas de ensino-aprendizagem.

Não resta dúvida, essa classe de professor perdeu o rumo, o telos, o sentido daquilo que faz e não consegue uma resposta às perguntas: por que ensino? por que sou professor?
Entendo que professores renovados produzirão uma igreja viva e saudável. Livre das enfermidades da religião, que nada mais são do que fábricas de parasitas e cruzados, esses educadores resgatariam toda riqueza que o carisma e o ofício de mestre possuem.
Mas para que isso ocorra, urge uma profunda mudança (metanóia) nos paradigmas educacionais que sustentam, à quase cem anos, a educação dominical. A Formação dos professores dominicais nas Assembleias de Deus no Brasil pouco mudou desde as cruzadas incansáveis de nosso paladino e mestre, Pr. Antonio Gilberto. O árduo trabalho desenvolvido por ele e sua equipe em todo Brasil melhoraram quantitativa e qualitativamente o perfil do professor das Assembleias de Deus.
A nossa denominação pode e deve se orgulhar de sua marcha incansável, e dos heróis e heroínas que se ofereceram como libação a favor de uma igreja madura e comprometida com o Reino de Deus.
Todavia, não podemos viver relembrando as glórias do passado se nos esquecemos dos desafios do presente e inquietações do futuro. O mundo mudou! Não é mais o monobloco de antigamente. E, isto, companheiros (as) exige uma nova classe de professores, um novo paradigma educacional, e uma nova forma de lidar com os desafios da modernidade líquida.

Notas:
[1] CORTESÃO.L. Ser professor: um ofício em risco de extinção. São Paulo: Cortez, 2002.
[2] FREIRE, P. Educação e mudança. 31.ed., São Paulo: Paz e Terra, 2008.

Do Blog Teologia e Graça de Esdras Costa Bentho

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Jan Amos Komenský

Jan Amos Komenský
Comenius
  1. Jan Amos Komenský, foi um bispo protestante da Igreja Moraviana, educador, cientista e escritor checo. Como pedagogo, é considerado o fundador da didática moderna. Wikipédia